Decisão Judicial confirma trabalho análogo ao de escravo na Igreja Adventista Remanescente de Laodiceia

Empresa do conglomerado foi incluída na Lista Suja do Ministério da Economia

A juíza Tamara Gil Kemp, da 16ª Vara do Trabalho de Brasília, confirmou a ocorrência de trabalho análogo ao de escravo na Comunidade Laodiceia, localizada no Gama (DF) e que foi processada, em 2019, pelo Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF), após uma operação interinstitucional com auditores fiscais do Ministério da Economia, representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Civil do DF, do Conselho Tutelar do Gama e da Secretaria de Justiça e Cidadania constatar a submissão de pessoas às condições degradantes de trabalho.

A Ação Civil Pública do MPT apontou que os líderes religiosos e proprietários das empresas que compõem o conglomerado se aproveitavam do baixo nível de instrução dos fiéis, socialmente vulneráveis, para explorar mão de obra de forma não remunerada, em situações de trabalho análogos ao de escravidão.

Para a procuradora Carolina Pereira Mercante, que conduz o caso no MPT, “observou-se que, além dos elementos típicos da coerção do mercado de trabalho, a doutrinação espiritual exerce forte influência para que os trabalhadores não tenham consciência acerca da exploração a que estão submetidos”.

Ela destaca que na operação de fiscalização que resultou na Ação Civil Pública, parte dos trabalhadores se recusou a admitir a condição de submissão a trabalho análogo ao de escravo por entender que tais condições serviam a “propósitos divinos”.

O MPT pediu, à Justiça, a condenação das empresas de forma solidária, com pagamento de dano moral coletivo e a imposição de obrigações de fazer aos condenados, como a proibição de manter as pessoas em condições de trabalho degradante e a necessidade de assinar as Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS).

Além de as obrigações, requereu o reconhecimento das relações de emprego, bem como a rescisão indireta, com o devido pagamento das verbas trabalhistas e rescisórias.

Ao analisar o caso, a juíza Tamara Kemp dividiu os 79 trabalhadores em três grupos:

a) vendedores e distribuidores de livros;
b) obreiros que prestavam assistência religiosa e
c) trabalhadores dos setores de panificação, costura, plantio de hortaliças e serviços de limpeza.

Segundo a Decisão Judicial, o primeiro grupo ficou caracterizado como trabalhadores autônomos, que laboravam na condição de ‘parceiros comerciais, dividindo ganhos com as requeridas’. Para a magistrada, “tais fatos são suficientes para descaracterização do vínculo empregatício”.

Em relação aos trabalhadores que prestavam assistência religiosa, a juíza entendeu tratar-se de trabalho voluntário, sem intuito de percepção de vantagem ou finalidade econômica.
Apesar de não abarcar esses grupos como aqueles que possuem relação de emprego com os réus, a magistrada destacou que é “importante registrar que mesmo os trabalhadores autônomos (vendedores parceiros) e voluntários (missionários) devem ter respeitado o direito a um ambiente laboral saudável e seguro”.

“Por outro lado, observa-se a presença dos requisitos para a formação do vínculo de emprego entre as empresas rés e os trabalhadores que eram os responsáveis pela produção de pães e confecções, hortaliças e verduras, bem como como funcionários da limpeza.”

Segundo a magistrada, os serviços de panificação e costura contavam com “excelente estrutura de equipamentos”, podendo concluir que ali havia sim uma atividade empresarial.

Para a juíza, “em que pese a falsa e já superada alegação de que os valores obtidos pelas vendas eram divididos igualitariamente entre os membros, bem como que eventual lucro era revertido em prol da comunidade, pelas fotos apresentadas é possível constatar que a líder ANA VINDOURA, sua filha e sócia MÁRCIA CRISTINA e o genro LUCICLEI possuíam condições de vida bem distintas daquelas vivenciadas pelos demais membros.”

Ela destaca que enquanto os trabalhadores moravam “dentro de ônibus ou em casas improvisadas”, sem acesso à água potável, sem ambiente para refeição, sem banheiro adequado e sem nenhum equipamento de proteção individual capaz de minimizar os riscos da atividade, os líderes religiosos “desfrutavam de residência ampla com excelente estrutura”.

Para a procuradora Carolina Pereira Mercante, “quando o trabalho em condições degradantes é realizado em razão da crença religiosa do indivíduo, embora com geração de lucros a empresas e aos seus sócios, o elemento coercitivo, que, nesses casos, extrapola a esfera econômica, torna-se menos nítido, em razão de uma suposta “voluntariedade” dos trabalhos realizados.”

Na Decisão, a juíza Tamara Kemp concluiu que, apesar de os trabalhadores não terem sua liberdade de locomoção cerceada, eram submetidos às condições degradantes de trabalho, uma das características da escravidão moderna.

“Por todo o exposto, entendo que os empregados das áreas administrativa, de panificação, costura, hortaliças e limpeza foram, sim, reduzidos a condição análoga à de escravo em virtude das condições degradantes de trabalho as quais foram submetidos”, conclui. 

A Decisão Judicial reconheceu o vínculo empregatício de 21 empregados das empresas do conglomerado da Laodiceia, bem como validou a rescisão indireta destes contratos, determinando que os réus paguem a esses trabalhadores os valores devidos, a título de: salários retidos e diferenças salariais, observando o mínimo legal; aviso prévio indenizado; décimos terceiros integrais e proporcionais; e férias integrais e proporcionais.

Além de as verbas devidas, os réus foram condenados ao pagamento de R$ 200 mil, a título de dano moral coletivo. Na Decisão, a magistrada também determinou a retirada do sigilo do Processo.

A empresa Folha de Palmeiras Produtos Alimentícios Ltda., ré no Processo e integrante do conglomerado da Igreja, foi incluída na Lista Suja de Trabalho Escravo do Ministério da Economia, na última atualização datada de 5 de outubro de 2020.

Confira, na íntegra, a Decisão.

Processo nº 0000205-16.2019.5.10.0016

 

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